PHENOMENO
Era pra serem férias tranquilas, eu buscava um pouco de sossego, na minha cidade natal no interior; longe da loucura de megalópole em que sobrevivo. Não sei como tudo se tornou esse caos. As pessoas eram vazias, fúteis, rasas. Dificilmente você encontraria um ombro amigo que não estivesse em busca de interesses próprios. Mas não os culpo, eu também sou exatamente assim, o que me faz crer que isso seja da natureza humana. Ou eu me tornei parte disso? Escrevo isso; pois o piloto acaba de nos dar uma notícia: todos temos por volta de 30 minutos de vida. Parece que a aeronave perdeu contato com a torre, não sabe onde pousar, e está acabando o combustível, coisa do tipo. Acredite, eu não estou calmo, e ninguém nessa situação prestaria atenção noutra coisa senão na mensagem dos minutos restantes de vida. Estou tentando me concentrar ao máximo para escrever; afinal se eu não fizer isso, resta apenas gritar ou chorar como um louco. O capitão desejou "um bom final, à todos..." E como essas palavras doeram, até mesmo pra mim, que não lembro de ter ficado um dia sequer sem pensar em suicídio, nesses últimos 7 anos. Me pergunto como ele pode ter a frieza de um iceberg para falar essas coisas, acho que finalmente admiro alguém. Mil coisas passam nesse momento, na minha mente. Infelizmente não dá para escrevê-las em 30 minutos, talvez nem em 30 anos... A primeira ideia que passou, foi escrever estas últimas palavras, mas não sou o único; muitas pessoas estão escrevendo suas despedidas para seus familiares, amigos, pessoas que amam, e espero que consigam encontrar estes relatos intactos, inclusive o meu. As aeromoças estão tentando fazer algumas pessoas ficarem calmas, mas acho que elas já perceberam que qualquer esforço é inútil. Ouço choro, de crianças, de adultos, ninguém quer morrer. Dói perceber que essas pessoas ainda querem abraçar a vida, querem respirar, amar novamente, sentir, crescer... e eu sempre fui ingrato com ela. Sempre fui do tipo que reclamava de barriga cheia, e tinha uma certeza interna de que só amaria minha existência, no final dela; e por ironia do universo, é o que está acontecendo. Não que eu a ame, apenas estou tendo aquela sensação de arrependimento que atormenta todos os mortais em seus momentos mais íntimos. Eu preferiria morrer do meu jeito, na hora que eu visse que não dava mais pra seguir; não num momento em que eu buscava me reencontrar e de uma forma tão trágica, ter tal final. Já percebo que o avião perdeu altitude, as máscaras caíram... Eu espero que seja rápido e letal, e que meus restos mortais voltem à natureza, voltem a ser parte inanimada e viva do universo. Eu espero que seja indolor. Porra, eu odeio sentir dor.

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